segunda-feira, 30 de novembro de 2015

PRÉMIO NACIONAL DE POESIA DIÓGENES - 2014




     O Prémio Nacional de Poesia Diógenes, 
atribuído pela revista Cão Celeste 
e com o valor pecuniário de €1500, 
distinguiu, de entre os livros publicados em 2014, 
Talvez Seja Essa Certeza, de António Amaral Tavares 
(Coimbra, Medula).

      A decisão do júri - constituído por 
Ana Isabel Soares, Emanuel Jorge Botelho 
e Rui Caeiro - foi tomada por unanimidade.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

António Barahona


MEMÓRIA DE AMOR


I

A memória descreve 
o nosso primeiro encontro
no palco dum teatro:
eu, com um cão debaixo do braço;
e tu, à espera que eu me risse
para me veres os dentes.


[...]


IV
(Directas)

Ainda não havia televisão a côres.
Todas as noites, víamos a série d'O Fugitivo.
Às vezes, bebíamos café e passávamos o resto
da noite a fumar e a conversar.
Não tínhamos pressa.
A paixão defendia-nos do tempo.

Saíamos, eternos, ao clarear do dia,
para comprar peixe na lota do Cais-do-Sodré
e tomar o pequeno almoço na cantina.

Não tínhamos nenhuma pressa.
A paixão defendia-nos do tempo.
Voltávamos, eternos, para casa.

14.VII.013


- in Pássaro-Lyra (Primeiro Tomo da Suma Poética),
com capa de Inês Dias e arranjo gráfico de Inês Mateus, 
Lisboa: Averno, 2015

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A beleza das imagens nunca é um fim. É apenas a recompensa de uma fidelidade à verdade que se quer exprimir e aos meios de que dispomos para isso.


Jacques Rancière, Béla Tarr, o tempo do depois, 
trad. Luís Lima, Lisboa, Orfeu Negro, 2013




[Béla Tarr, Danação, 1988]

domingo, 1 de novembro de 2015

157


Era uma vez um homem que tinha um cão. Quando passeava no bosque o cão trotava atrás dele. Ouvia-lhe o ruído das patas sobre as folhas o ruído da sua respiração. Um dia o cão morreu. O homem comprou outro cão. Como o anterior o novo cão trotava atrás dele. Ouvia-lhe o ruído das patas sobre as folhas o ruído da sua respiração. E lembrava-se do outro cão. Mas um dia também esse cão morreu. De novo o homem comprou outro cão. Como os anteriores também este trotava atrás dele. Ouvia-lhe o ruído das patas sobre as folhas o ruído da sua respiração. E lembrava-se dos outros cães. Por fim não foi preciso comprar mais nenhum cão. Para onde fosse uma matilha seguia-o. Mais tarde nem era preciso já ir passear para o bosque. 


Ana Hatherly, 463 Tisanas,
Lisboa, Quimera, 2006

terça-feira, 6 de outubro de 2015

OS CÃES DA NOITE


I

Quando a noite se eriça mais do que é costume,
convoco os cães.

Na esperança de que os cães me tirem
das goelas da noite
e abram brechas na muralha de fogo.


A. M. Pires Cabral
in A noite em que a noite ardeu, Lisboa: Cotovia, 2015

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

PASTELARIA


Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra


MÁRIO CESARINY




[ID, Guimarães, 2013]

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

SOL E SOMBRA


"[...]

Sem a recusa dos compromissos com todos os agravos inerentes é impossível arriscar a heresia no sentido de que fala Consolo. Em tempo de nivelação tão global num país onde a opinião pública é balbuciante tudo se agrava ainda mais. E embora pareça pouco poético falar por exemplo de meia dúzia de pinheiros com centenas de anos arrancados a uma praça vampirizada pelos automóveis, ou da libertação de um chimpanzé adolescente acorrentado no meio de destroços, o poema vai-se edificando também nesses martírios, essas rugosidades e manchas.

[...]
O poema, que também faz parte da horda errando nesta esfera que poucos soubemos resguardar, não pode isolar-se das suas dores e fealdades. É preferível narrar o nosso tempo letal nem que para isso se tenham de inventar outras palavras e uma poesia às vezes tão bruta como tudo aquilo a que vamos assistindo.

[...]"




Fátima Maldonado
in Cão Celeste n.º 7, com ilustração de Ana Menezes, 
Lisboa, Agosto de 2015

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Cão Celeste #7




Colaborações de:

Abel Neves - Alexandre Sarrazola - Ana Biscaia - Ana Menezes - Ana Teresa Pereira - António Barahona - Beatriz Hierro Lopes - Bruno Borges - Bruno Dias - Cláudia Dias - Daniela Fortuna - Daniela Gomes - Débora Figueiredo - Diniz Conefrey - 
Fátima Maldonado - Filipe Matos - Gil de Carvalho - Hugo Pinto Santos - Inês Dias - Inês Lourenço - Isabel Baraona - Isabel Nogueira - João Concha - John Mateer - Jorge Roque - José Ángel Cilleruelo - José Tolentino Mendonça - Julián Axat - 
Luís França - Luís Henriques - Luis Manuel Gaspar - Manuel de Freitas - 
Manuel Diogo - Maria João Worm - Marta Chaves - Martin Copertari - 
Mauricio Salles Vasconcelos - Pádua Fernandes - Paulo da Costa Domingos - 
Ricardo Álvaro - Ricardo Castro - Ricardo Marques - Rui Caeiro 
- Tiago Manuel - Vasco Silva

sábado, 1 de agosto de 2015

DIALOGO DEL PERRO Y DEL ANGEL


El perro le dijo al ángel: "yo te beso"
el ángel le dijo al perro: "yo te muerdo"
el perro le dijo al ángel: "yo te canto"
el ángel le dijo al perro: "yo te ladro"
el perro le dijo al ángel: "yo te alabo"
el ángel le dijo al perro: "yo te meo"
el perro le dijo al ángel: "yo te leo"
y el ángel: "cállate que me estropeo!"


Carlos Edmundo de Ory, Sin Permiso de Ser Ángel,
New York: Vanguardo Editions Gas Station, 1988

sexta-feira, 29 de maio de 2015

DA ORTOGRAFIA NOVA, DIZEM


Passo a passo o gandulo
Ainda bota acento no cú
Perante os espetadores
Que dizem ah para os lados de chelas
Ou fazem oh
Chegados a s. bento
O estilo
(cagança semiótica)
Vai além da gravata
Ou fralda de fora
Ser côxo é outro modo
De caminhar entre a arrogância
É tudo uma questão de bons-dias


Nunes da Rocha, Sabão Offenbach,
Lisboa: &etc, 2015

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Manuel de Freitas


Sabes tão bem como eu
que a Rua de Santa Maria
não tem fim. Ladeia o oceano,
demora-se junto de cães sentados
e oferece quando pode um cigarro
à primeira puta que afasta as cortinas.

Para trás fica o comércio,
indiferente ao sino cansado
da Sé e aos gins (se te lembras)
do Sunny Bar. Mas passámos já
a débil fronteira, depois do Mercado.
Pontas de charros no chão - um aviso.

Ou as mulheres que se encostam
às portas pequenas que nos chamam
para o último copo de Jacquê.
Como se fosse (digamos assim) a vida
e tivesse agora tanto espaço para morrer.


In Sunny Bar, sel. de Rui Pires Cabral, 
Lisboa: Alambique, 2015

sábado, 9 de maio de 2015

A ASSOMBRAÇÃO


Eu sou o cão que tu puseste a dormir,
como gostas de chamar à agulha do esquecimento,
e volto para te dizer esta coisa simples:
nunca gostei de ti - nem por um momento.

Quando lambia o teu rosto,
pensava em morder-te o nariz.
Quando via como te secavas com uma toalha,
apetecia-me saltar e castrar-te num instante.

Detestava a maneira como te movias,
a tua falta de graça animal,
a maneira como te sentavas numa cadeira para comer,
com um guardanapo no colo e a faca na mão.

Eu teria fugido,
mas era muito fraco, um truque que me ensinaste
quando ainda estava a aprender a sentar e a deitar,
e - o maior dos insultos - a apertar a mão sem ter uma.

Admito que a visão da trela
me entusiasmava
mas apenas por que significava que estava prestes
a cheirar coisas que nunca tinhas tocado.

Podes não querer acreditar nisso,
mas não tenho nenhuma razão para mentir.
Odiava o carro, os brinquedos de borracha,
detestava os teus amigos e, pior, os teus familiares.

O tilintar da minha chapa levava-me à loucura.
Sempre me fizeste festas no sítio errado.
Tudo o que sempre quis de ti
foi comida e água fresca nas minhas tigelas de metal.

Enquanto dormias, ficava a ver-te respirar
à medida que a lua ia subindo no céu.
Foi precisa toda a minha força
para não levantar a cabeça e uivar.

Agora estou livre da coleira,
da gabardina amarela, da camisola com monograma,
do absurdo do teu relvado,
e isso é tudo o que tu precisas de saber sobre este lugar

excepto o que já calcularas antes
e te deixa feliz porque não aconteceu mais cedo -
que todos aqui conseguem ler e escrever,
os cães em poesia, os gatos e os outros em prosa.


Billy Collins, Amor Universal,
trad. Ricardo Marques, Lisboa: Averno, 2014

quinta-feira, 23 de abril de 2015

FIDELIDADE




Silvina Rodrigues Lopes, "O nada que se vive, que se escreve. Jorge de Sena",
Cão Celeste, n.º 1, Lisboa, Abril de 2012

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

EXPOSIÇÃO




Com a participação de:
Ana Menezes, André Lemos, Bárbara Assis Pacheco, Bruno Borges, Cláudia Dias, 
Daniela Gomes, Diniz Conefrey, Filipe Abranches, Isabel Baraona, João Chambel, 
Luís França, Luís Henriques, Luis Manuel Gaspar, Manuel Diogo, Maria João Worm, 
Ricardo Castro, Rui Pires Cabral e Rui Silva