domingo, 23 de dezembro de 2012
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
TODOS OS CÃES
Todos os cães mudos de luz à passagem do cortejo
o sorriso do homem do trombone de varas
pendurado no rebate dos sinos
cai uma chuva miudinha a amortalhar o som dos metais
a tenda das comédias ensopa debo-
tada de uma alegria de domingo
vêm as crianças pedir as janeiras à nossa porta
cantam na sua inocência de quem não
sabe da lama nos nossos pés
e afagam-nos com cantigas de cristal para
nos limpar da tristeza pressentida
enfim a tarde vai chegando muito cedo e olha-
mos as janelas iluminadas das casas
que são dos outros,
como quem passeia um cão na noite da consoada.
o sorriso do homem do trombone de varas
pendurado no rebate dos sinos
cai uma chuva miudinha a amortalhar o som dos metais
a tenda das comédias ensopa debo-
tada de uma alegria de domingo
vêm as crianças pedir as janeiras à nossa porta
cantam na sua inocência de quem não
sabe da lama nos nossos pés
e afagam-nos com cantigas de cristal para
nos limpar da tristeza pressentida
enfim a tarde vai chegando muito cedo e olha-
mos as janelas iluminadas das casas
que são dos outros,
como quem passeia um cão na noite da consoada.
Alexandre Sarrazola
in Merry Christmas, Lisboa: Averno, 2006
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
ESTE LIVRO ESCURO
- sobre um álbum de Moriyama Daido
Este livro escuro do tamanho de uma caixa de cinzas
é um memorial após outro, página após página
de instantâneos, como se pudéssemos ser cinemáticos,
como se a visão nunca fosse uma rasura, esse negro metafísico.
Se fôssemos ídolos na Hollywood que imaginamos, carne tonificada,
prata escorregadia ou, melhor, tremeluzindo com os aplausos dourados
dos dias a passarem, página após página,
nunca teríamos duvidado do fotográfico,
nunca teríamos desejado o abandono de um poema.
John Mateer, Este Livro Escuro,
Lisboa: Averno, 2012
sábado, 8 de dezembro de 2012
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
OS CÃES ROMÂNTICOS
Eu tinha vinte anos então
e estava louco.
Tinha perdido um país
mas ganhara um sonho.
E se tinha esse sonho
o resto não importava.
Nem trabalhar nem rezar
nem estudar de madrugada
com os cães românticos ao pé.
E o sonho vivia no vazio do meu espírito.
Uma casa de madeira,
a meia luz,
num dos pulmões do trópico.
E às vezes virava-me dentro de mim
e visitava o sonho, estátua eternizada
em pensamentos líquidos,
uma bicha branca retorcendo-se
no amor.
Um amor desbocado.
Um sonho dentro de outro sonho.
E o pesadelo dizia-me: crescerás.
Deixarás para trás as imagens da dor e do labirinto
e esquecerás.
Mas nesse tempo crescer seria um crime.
Estou aqui, disse, com os cães românticos
e aqui me vou ficar.
Roberto Bolaño
e estava louco.
Tinha perdido um país
mas ganhara um sonho.
E se tinha esse sonho
o resto não importava.
Nem trabalhar nem rezar
nem estudar de madrugada
com os cães românticos ao pé.
E o sonho vivia no vazio do meu espírito.
Uma casa de madeira,
a meia luz,
num dos pulmões do trópico.
E às vezes virava-me dentro de mim
e visitava o sonho, estátua eternizada
em pensamentos líquidos,
uma bicha branca retorcendo-se
no amor.
Um amor desbocado.
Um sonho dentro de outro sonho.
E o pesadelo dizia-me: crescerás.
Deixarás para trás as imagens da dor e do labirinto
e esquecerás.
Mas nesse tempo crescer seria um crime.
Estou aqui, disse, com os cães românticos
e aqui me vou ficar.
Roberto Bolaño
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