domingo, 12 de outubro de 2014

SÉTIMO DIA

Domingo, os lódãos
ficam mais sérios
no retrato

do jardim. Descansam
as criaturas, descansa quem
as criou, algures longe

da vista, longe do coração.
Descansa o cão extraviado
à sombra do contentor

e o ministro das finanças -
sempre, sempre tão
cansado - no seu reduto

murcho. Domingo, linha branca
que atravessa um olival:
já deste o ramo

ao padrinho? Vagares
de um mundo pequeno
ao domingo, no palheiro,

em histórias de papel velho
cor de açúcar mascavado -
eu bem não queria

morrer. Domingo nos montes
em volta, domingo na ilha
de Kirrin,

domingo em toda a parte,
de nenhures, de Deus
nenhum.


Rui Pires Cabral
in "Génesis", Suroeste — Revista de literaturas ibéricas, n.º 4, 
Badajoz, 2014

terça-feira, 7 de outubro de 2014

A. M. Pires Cabral


5.


Não estou só
Recrutei companheiros para o Inverno
que não o temem como se teme um lobo,
mas apenas como é justo que se tema
o desdobrar das páginas do tempo:
com decoro. Então
aconchegados a mim, e eu a eles.
Somos uma parede.

Mas há quem esteja só
e assim deva ficar.

A esses, tudo aquilo que o nocivo
Inverno lhes trouxer
recordará o que ficou retido
nas levianas demasias do Verão.

As cartas que usarão como recurso
contra a ausência do Sol
ninguém lhas lerá, ser-lhe-ão devolvidas
com um carimbo maquinal: «Desconhecido
neste endereço». Cartas descompostas
de terem ido e voltado.
Cartas que em boa verdade
escreverão a si mesmos
sob outros nomes e moradas. Cartas
semelhantes a ardilosos bumerangues
ou a cães ensinados a voltar para nós,
trazendo na boca, molhado de saliva,
o pau que arremessámos.


Lisboa: Averno, Novembro de 2004