domingo, 28 de abril de 2013

Emily Dickinson



in Poems of Emily Dickinson,
com desenhos de Helen Sewell,
Connecticut: The Heritage Press, 1952


sábado, 20 de abril de 2013

A ERVA-ANDORINHA E A CURA DA CEGUEIRA

[...]

Creio que a poesia, mais do que o que diz, ama o que se furta ao dizer. “A tarefa do poeta: após descobrir – encobrir” (Marina Tsvietaieva, Indícios Terrestres). A poesia não é moderna. O espírito moderno é o da descoberta. A poesia, porém, recobre, revela. O espírito moderno é o do novo. A poesia trata da origem (e “a novidade é a antítese da originalidade), segundo a expressão de George Steiner em “Presenças Reais”). O espírito moderno é invenção, progresso. Na poesia o movimento é um regresso, é o verso. O espírito moderno é técnico, mecânico. O da poesia é rítmico. Para o espírito moderno, democrático, o segredo escandaliza e a devassa legítima. Mas a poesia, se diz o segredo é para o preservar intacto, para o transmitir mais puro (Luiza Neto Jorge: “Não podendo falar para toda a terra/ direi um segredo a um só ouvido”). O espírito moderno é proclamação, palavra de ordem, reclamação e grito. A poesia nada mais pode senão o canto e o murmúrio. Ela teme que sobrevenha ao coração dos homens a cólera de Enlil. “Disse ele aos deuses reunidos em conselho: ‘O tumulto da humanidade é intolerável e já não é possível dormir com esta confusão.’ E assim os deuses concordaram em exterminar a humanidade” (A Epopeia de Gilgamesh).

[...]


 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

"Haverá uma beleza que nos salve?"


Não é a beleza que salva, mas, sim, a arte da beleza: a Poesia, gramática da nudez concisa.


- António Barahona, As Grandes Ondas,
Lisboa: Averno, 2013



*



«HAVERÁ UMA BELEZA QUE NOS SALVE?»


Não, não há uma beleza que nos salve. Só a bondade nos salva. E a bondade manifesta-se, por vezes, no meio da maior fealdade. Explico-me. Uma pessoa capaz de actos de bondade, uma pessoa com bom coração, pode ter uma cara que é considerada feia, pode vestir-se de uma maneira que é considerada pirosa, pode ter tido notas medíocres, pode ser um artista medíocre. Quando visitamos um museu com obras belíssimas, como o Louvre ou o Prado, podemo-nos esquecer de que as pessoas, os visitantes e os funcionários que estão lá connosco, são obras mais belas do que as mais belas obras expostas que andamos a ver. Um artista torturado pela beleza que consegue, ou que não consegue, dar ao que pinta e que se autodestrói está equivocado. Seria preferível deixar de pintar ou pintar obras medíocres. Como dizia o meu avô materno, que era médico, «mais vale burro vivo do que sábio morto». Se a busca da beleza nos impede de viver, então há é uma beleza que nos perde. E há.
Penso que não nos devemos enganar sobre a beleza. Se a nossa obra artística, ou outra, não implica a renúncia às coisas inúteis e a partilha, então é bastante inútil. E as coisas inúteis, para uma poetisa, são o desejo de escrever obras perfeitas e o de ser reconhecida pelos seus pares. Roubei à Irmã Emmanuelle a expressão «renúncia às coisas inúteis e partilha» («renonce aux choses inutiles et partage», in Famille chrétienne,Numéro hors série, été 2004, p. 6). Se não há partilha, o artista é quase tão aberrante como um padre que celebrasse a missa só para si.
Os artistas são, às vezes, muito egoístas. É verdade que as suas obras, apesar disso, podem comunicar --mas será involuntariamente? -- bons sentimentos. A arte está cheia de ódio, de maus sentimentos. Parece que estou a dizer mal da arte e não queria fazer isso.
No Natal, uma amiga mandou-me um cartão de boas festas da Unicef com um Anjo da Anunciação de Fra Angelico. Tenho-o em exposição no meu quarto e, quando quero rezar, olho para ele. Mas não sou contemporânea de Fra Angelico. Não posso tomar café e tagarelar com ele nos cafés como posso fazer com a amiga que me enviou o anjo dele pelo Correio. Por isso o Anjo da Anunciação de Fra Angelico, que é tão bonito, pode também ser doloroso. Fra Angelico já morreu. E não é a beleza do anjo de Fra Angelico que me garante que Fra Angelico ressuscitará.
Um poema de Rimbaud está cheio de violência. Há muita beleza na expressão dessa violência. E isto é terrível. Preferia que Rimbaud não estivesse ferido a ponto de escrever daquela maneira? Preferia. Mas não posso dizer isto assim.
A arte é feita para construir a paz. Não é um esgrimir no vazio. Não pode ser. Olho para o Anjo da Anunciação de Fra Angelico. Parece-me belíssimo. É vermelho e dourado. É verde e azul. Mas, ao escrever assim, parece-me que estou a evocar o poema de Rimbaud intitulado «Voyelles». A arte é um modo de lidar com a ausência. E por isso é tão preciosa e tão perigosa. Nunca é a alegria da presença.


- Adília Lopes, Le Vitrail La Nuit/A Árvore Cortada, 
Lisboa: &etc, 2006

terça-feira, 9 de abril de 2013

sábado, 6 de abril de 2013

THE SKY'S GONE OUT


No future, just a little past.
Sim, até os punks podem ter saudades.
Regressavam ao esmo de uma
obscura cidade da Alemanha
e não encontravam o Gingão,
o Gráficos, o Esteves da taberna homónima.
Também não encontravam, claro,
o fulgor bêbedo dos quinze anos
(fenómeno bastante natural).
Raio de povo este, que nem ao futuro
consegue pôr os cornos,
injectado de pavor e de memórias.

Não,
não é feliz aquilo a que chamamos noite.
Os mais jovens (e mais estúpidos) substituem
distraidamente aqueles que a idade
tornaria ainda piores. "All we ever got
was cold" - não duvidem.
O Esteves, por exemplo, nunca
ouviu falar do parente literário
que talvez tivesse sido dono de uma tabacaria.
Preferia segurar a porta nos ombros
de betão armado e sacudir a cinza, desconfiando
sempre dos novos guerrilheiros urbanos.
Nenhuma navalha o matou; atropelado na aldeia,
acedeu em trespassar sabedoria e esquecimento.

Outro caso de que me lembro: o do Manel
do Estádio. Não sei, aliás, como enterrá-lo.
Morreu como ninguém morre,
faltou-me todo inteiro numa tarde de Novembro.
Chegou de um Norte qualquer, o meu Manel
somente, e trouxe menos fundura ao poço 
da minha e de tantas outras vidas.
Só foi pena ter doído assim a última cerveja,
no maior desconhecimento de me estar a despedir.

Batemos a portas fechadas, sentimos nos ouvidos secos
a penumbra de um vinho impartilhável.
E é, afinal, tão simples: destronada a música,
ninguém ousará sequer convidar-nos para dançar.
Que nos murassem as certezas, estava bem.
As dúvidas, contudo, deixaram de ter onde nos ferir.
Olhos impávidos vêem o cão da noite recolher-se,
abrir por curiosidade as veias, saborear a derrota.
"All we ever wanted was everything" - mas
deram-nos sopa de nada, restos num prato vazio.


Manuel de Freitas, A Flor dos Terramotos,
Lisboa, Averno, 2005

[retirado daqui]

terça-feira, 2 de abril de 2013

António Barahona



XI

A humanidade não me importa muito, nem pouco, nem nada: o meu próximo, sim, importa-me tudo, na tentativa de nele amar o Todo. A humanidade é uma abstracção de políticos e filósofos ateus, nazis, comunistas, tecnocratas, etc., que pretendem transformar o mundo num campo de concentração global, povoado, na sua maioria, por uma espécie de canalha, dependente de máquinas (cada vez mais sofisticadas) e desligada do transcendente por incapacidade mental.
O meu próximo é concreto, como este texto que exprime, letra a letra, o espírito do que digo.
O Profeta Jesus (que a paz esteja com ele), o Sêlo da Santidade, quando multiplicou os peixes e os pães, mandou a multidão repartir-se em grupos; e, aos grupos, mandou que dividissem, entre si, a parte que lhes coubera para que, dentro de cada grupo, cada um partilhasse com o próximo.


- in As Grandes Ondas,
Lisboa: Averno, 2013



[Dinis Conefrey]