quinta-feira, 17 de setembro de 2015

SOL E SOMBRA


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Sem a recusa dos compromissos com todos os agravos inerentes é impossível arriscar a heresia no sentido de que fala Consolo. Em tempo de nivelação tão global num país onde a opinião pública é balbuciante tudo se agrava ainda mais. E embora pareça pouco poético falar por exemplo de meia dúzia de pinheiros com centenas de anos arrancados a uma praça vampirizada pelos automóveis, ou da libertação de um chimpanzé adolescente acorrentado no meio de destroços, o poema vai-se edificando também nesses martírios, essas rugosidades e manchas.

[...]
O poema, que também faz parte da horda errando nesta esfera que poucos soubemos resguardar, não pode isolar-se das suas dores e fealdades. É preferível narrar o nosso tempo letal nem que para isso se tenham de inventar outras palavras e uma poesia às vezes tão bruta como tudo aquilo a que vamos assistindo.

[...]"




Fátima Maldonado
in Cão Celeste n.º 7, com ilustração de Ana Menezes, 
Lisboa, Agosto de 2015