segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Lucro


Ouço o físico afirmar que a imposição de resultados a curto
prazo, a concentração de esforços na aplicabilidade imediata, é nefasta e redutora para a investigação científica, lembrando que a maior parte das descobertas que geraram aplicação prática, explorada ulteriormente em larga escala, foram dirigidas pela vontade instintiva de perceber, resolver um problema teimoso, explicar um facto inesperado. 


O mesmo se passa na literatura, fico a pensar. Livros orientados para o leitor, textos de leitura fácil, temas de interesse geral, feiras, festivais, poses, entrevistas, autógrafos, espreitadelas pelo óculo indiscreto ao elemento pessoal, o pequeno segredo, o inconfessado fetiche e, cereja no bolo, cume no topo, lugar cimeiro na tabela das vendas a retalho ou, mais ridículo, nome maior das críticas a retalho, das ocorrências no gugâl sârche, do número de visitantes no blogue, de laiques no feicebuque, etc. e tal, oco e mediático, nulo e frívolo, como se pretendia.

E claro que é nefasto e redutor para a criação literária. E tal como nas descobertas científicas, a maior parte dos textos que se tornaram integrantes do pensamento e da cultura humana resultaram da procura cega de modos de exprimir o facto bruto de ser homem, de estar vivo, nesse instante abismo em que sente, sofre, esbraceja, respira, e tenta iluminar, enquadrar, compreender, para adquirir sobre a vida, sobre si, um mínimo domínio, um mínimo poder: o de a expor e comunicar, resolvendo-a ou não.  

E como chegámos a este sinistro império pragmático? Esta redução da causa a consequência, concreta, imediata? Movidos pela pressão do lucro, pois com certeza. Ou do que a lucro se assemelhe na sua falta, pois mais vale a semelhança do que nada. Rápido como se exige. Exponencial como se impõe. A qualquer preço, pois o que determina o preço não o tem. Com os inerentes danos colaterais, como se diz, e vidas humanas é o que se está a dizer, em nome do progresso civilizacional, do crescimento da economia que esqueceu o homem que era a sua condição e sentido, e o tornou alheio, matéria-prima que se negoceia, compra e vende, explora e elimina com os demais resíduos da suprema produção. 

Mundo estúpido de gente estúpida, não encontro melhor forma de o dizer, que para aumentar a riqueza contabilística dos balanços, empobrece a realidade, sufoca a criatividade, asfixia o desenvolvimento ético, social e mental da humanidade que nele se enleia e debate. 

Mundo estúpido de gente estúpida, repito sem gosto, porque ignora o mais óbvio: não há indivíduo fora do todo, não há felicidade separada do outro. E assim o seu individualismo acerbo, o seu egoísmo ganante, a sua voracidade sem freio, têm um adversário derrotado, esvaziado, destruído, de que nem sequer suspeitam: eles mesmos.

JORGE ROQUE
in Cão Celeste # 8

domingo, 14 de fevereiro de 2016

CÃO CELESTE # 8


Com colaborações de:

Abel Neves | Adriana Molder | Ana Biscaia | Ana Isabel Soares | Ana Menezes | Ana Teresa Pereira | André Lemos |
A. M. Pires Cabral | Bárbara Assis Pacheco | Bruno Borges | 
Bruno Dias | Cláudia Dias | Daniela Fortuna | Daniela Gomes | Débora Figueiredo | Diniz Conefrey | Emanuel Félix |
Emanuel Jorge Botelho | Fátima Maldonado |
Gil de Carvalho | Guilherme Faria | Hyppolite Taine |
Hugo Pinto Santos | Inês Dias | Isabel Baraona | Isabel Nogueira | Jaime Rocha | Jerome Rothenberg | João Chambel | João Concha | Jorge Roque | José Ángel Cilleruelo | José Luís Costa | José Miguel Silva | Leonor Figueiredo | Luca Argel | Luís Henriques |
Luis Manuel Gaspar | Manuel Diogo | Manuel Freitas | Mauricio Salles Vasconcelos | Miguel de Carvalho | Miguel Martins | Miguel Pereira | Nunes da Rocha | Pádua Fernandes | Paulo da Costa Domingos | Ricardo Castro | Ricardo Marques | Rosa Maria Martelo | 
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