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domingo, 8 de dezembro de 2013

BANCO QUALQUER COISA


V


A última vez que te encontrei foi diante do Banco Qualquer Coisa. Verificavas o preço das acções. Elas baixaram, não há dúvida. Talvez isso prejudique o teu futuro na América e até mesmo a tua actual capacidade para os estudos. És fraco e não podes impedi-lo. Se fosses resoluto poderias ordenar a um dos responsáveis: "sobe-me essas acções, badameco!"
Não confio já nos santos ou nos poetas e muito menos nos heróis.
Tudo é agora uma questão de mais ou menos brutalidade, de maior ou menor capacidade de matar. Impunemente - é preferível.
As acções baixam - não há dúvida.


Manuel de Castro, "Hans e a mão direita"
in GRIFO - Antologia de inéditos organizada e editada pelos autores, 1970





Ilustração de Luís França
in Cão Celeste n.º4, Lisboa, Novembro de 2013

domingo, 17 de novembro de 2013

CONTARELO


Venho dum país de neve e floresta
cujas renas nos aquecem com o bafo
e onde deixei um filho gigantesco.
Mas que fútil triste música é esta
que no ar desenha melancólicas flores de luz
e vem acompanhada dum tinido grotesco?!!

Saudade, astrolírica saudade
teu nome é Mathilde
a voz                        Fidelidade
e o contorno é um pequeno cão macambúzio
feito com tinta castanha da China.
Fim.


Manuel de Castro
Dezembro de 1967

in & etc - uma editora no subterrâneo,
Lisboa, Letra Livre, 2013

domingo, 24 de março de 2013

ALONE TOGETHER


à memória de Mário Alberto


Não sou saudosista, até porque sempre tive grandes dúvidas de que haja épocas dignas de serem vividas. Muito menos, acrescento, serei saudosista do que não vivi. E não conheci, infelizmente, o Mário Alberto. Gostava muito de me ter embebedado com ele, mas não calhou. Quando cheguei a Lisboa, já o Parque Mayer era uma ruína pouco aliciante, sem a corrosão ou a magia de outros tempos. Havia, é certo, algumas tabernas. Mas a própria Baixa foi definhando; as livrarias transformaram-se em bordéis, os cafés foram-se tornando irrespiráveis, incompatíveis, quase todos, com a minha obscena vontade de fumar. Resta o Estádio, na sua triste e azul teimosia. Nunca morri de amores pela Trindade, e a estátua pouco equestre do Pessoa matou-me de vez a Brasileira.

Não houve, repito, tempos melhores. Mas seria outra coisa, fatalmente preferível, encontrar num desses cafés o Manuel de Castro, o António José Forte, o Mário Cesariny, o Ernesto Sampaio - ou o Mário Alberto, claro. Hoje temos a pouca sorte de assistir à "criação ao vivo", como se a literatura fosse uma matança do porco, em directo. Temos, enfim, poetas muito mediáticos, gente deveras talentosa e os cagalhões ampliados da Joana Vasconcelos. Uma colorida tristeza, se virmos bem.

[..]


Manuel de Freitas, Cólofon,
Lisboa: Fahrenheit 451, 2012