Era uma vez um cão, celeste e com dentes aguçados, obstinado numa crítica inclemente do que se passa à nossa volta. Mas demolir, apenas, é um exercício pobre, peca por falta de generosidade — ou de atenção — ao que de bom (sendo raro) se passa também à nossa volta. A prática da repulsa é tão necessária quanto os exercícios de admiração pelas vidas, obras e atitudes que nos continuam a (co)mover. Serão poucas, mas existem.
Não se pode falar, em rigor, de uma segunda vida do cão. O cão é eterno, ladra desde o tempo de Diógenes até à crítica do espectáculo feita por Debord ou ao riso iconoclasta de Alberto Pimenta, passando ainda por Montaigne ou Swift, entre muitos outros. Morrerá, a ladrar, quando este mundo cão morrer. Esta revista, porém, adopta a partir do presente número um grafismo diferente, que em nada contraria as premissas originais.
A esta inflexão gráfica correspondeu, por mérito do acaso, uma espécie de invasão poética bastante notória. Na verdade, a questão do género literário nunca nos inquietou, pois a ideia inicial foi reunir textos e imagens, abolindo fronteiras. Podemos, quando muito, deduzir de uma tão intensa colaboração lírica que a poesia continua a ser a melhor arma — e a mais inútil, também — para demonstrar a nus, despidos e andrajosos de luxo que o vosso reino pseudo-literário não nos interessa. Temos pena, isso sim, que este número do 'Cão Celeste' já não possa ser lido pelo Vitor Silva Tavares.
Breve nota editorial
in Cão Celeste n.º 8, Lisboa, Dezembro de 2015
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