quinta-feira, 6 de junho de 2013

MÁRIO BOTAS


10.

Compõe-se a imagem do que sou, de um ser outro e distinto dos nomes que chamei à Morte, ao Destino ou à Vida, quando tenho de estar só, e sou o espelho onde a minha imagem se deflecte e entra a correr no Infinito.
Espera, imagem, não corras, deixa-me saborear a paisagem, deixa-me levar recordações, cabelos, a sombra pacífica de um cão que paira sempre a meu lado.
Deitado, podre, vão-me sair pelos olhos e pelo nariz os humores do esquecimento. Tu que me podias reconhecer, também tu me renegaste e partiste.
Animais que tive, e me não deixam sozinho, venham imitar o filósofo vosso mestre.
Queridos bichos sem imagem racional, acompanhem-me, ao menos vós, na claridão imensa da morte.
 
 
 


in Aventuras de um crâneo e outros textos,
Lisboa: Averno, 2013

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