domingo, 31 de março de 2013

E a tua ferida, onde está?


Pergunto onde fica, em que lugar se oculta a ferida secreta para onde foge todo o homem à procura de refúgio se lhe tocam no orgulho, se lho ferem? Esta ferida - que fica assim transformada em foro íntimo - é que ele vai dilatar, vai preencher. Sabe encontrá-la, todo o homem, ao ponto de ele próprio ser a ferida, uma espécie de secreto e doloroso coração.
Se observarmos o homem ou a mulher que passam com olhar rápido e voraz - e também o cão, o pássaro, uma panela - a velocidade do olhar é que nos mostra, ela própria e com rigor máximo, que ambos são a ferida onde se escondem mal sentem o perigo. O quê? Já lá estão, já os conquistou - deu-lhes a sua forma - e para ela a solidão: lá estão inteiros no retesar de ombros em que passam a concentrar-se, com toda a vida a confluir na ruga maldosa da boca, e contra a qual nada podem nem querem, pois dela é que sabem esta solidão absoluta, incomunicável - este castelo da alma - para serem a própria solidão.


Jean Genet, O Funâmbulo,
trad. de Aníbal Fernandes,
Lisboa: Hiena Editora, 1984



Caravaggio, "A incredulidade de S. Tomé", 1601

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